segunda-feira, 21 de julho de 2014

Todas as Estações com Portinari


Todas as Estações com Portinari


O verão
O verão, uma incógnita.
Um barulho de mar, de concha, de areia nas mãos,
abrigo de castelos temporários.
No céu uns Vermelhos, Laranjas, Amarelos...
Uma sede de gastar o tempo,
uma vontade do inútil no corpo.
Quando tudo é corpo aberto a alma pede passagem,
"deixa eu transpassar essa verdade", diz a alma querendo o corpo.
Mas se o corpo quer só a dança, olhos circulam sem paradeiro.
São lentes ampliadas, ampliando o Sol, ainda maior na sua grandeza.
As crianças veem o mundo, doce a sensação, ácida a estação.
O verão se ausenta antes que se compreenda o todo.
Vai de férias viver profundamente a si mesmo,
pulando corpo desengonçado por sobre a linguagem.



Outono para papagaios
O poste, a ponte, o fio
A vida e o fio.
O filho quer ciranda
e o menino vem correndo
atrás das figuras geométricas,
hemisféricas, planetárias.
Metradas raias em raios de cores,
petrificados os homens crescem
abandonando o menino, não por coragem.
Saudades do menino. Um fio de memória.
Por onde, por onde o rio, onde a sede,
o viço sem dentes se foi?
Tantos papagaios saúdam o novo menino!
Chegou mais um papagaio! E vem o mundo de voltas
e gira o tempo de dentro em flor cedendo.
O tempo escorrido... o tempo acalmado,
branda luz que abraça a correnteza
e a atravessa.


A primavera dos Palhaços
Paisagens ancoradas
nas janelas do mundo:
fruta boa, furta a sorte do apego, o ferrugem.
Desapego palavras: livro, estante, música,
Física das palavras, de óculos olhando pra nós.
Sou capaz de voar pela palavra,
somos todos, todos centelhas, imagens,
origem e germinação constante de frutos.
Jardim onde os poetas deixam mensagens,
os poetas jardineiros,
os disfarçados de pássaros,
alimentando as boquinhas dos pequenos filhotes,
tão frágeis, tão frágil a Poesia, a vida, a criancice,
que a palavra soluço acena sem dar chance de adeus
ou de saudade.


Inverno para garatujas
Eis que invento um novo modelo de espera.
O da chuva. Chuva de inverno, geladinha.
Quando eu era criança. Faz muito, muito tempo.
Mesmo que pareça ontem.
Eu tinha mania de adivinhações do tempo.
E eu me colocava em posição de contar os pingos da chuva.
Mas eram tantos, como estrelas aos milhares
que os meus dedos se perdiam na contagem.
Dava verrugas, verrugas que nascem de tanto contar,
de tanto a gente se contar.
Então eu desenhava a chuva por dentro,
pingos imensos em garatujas,
pingos felizes como meninos plantando bananeiras.



Por Patricia Porto

Patricia Porto é escritora, professora universitária, autora de "Sobre Pétalas e Preces" e do blogue "Diário de Viagens para Espantalhos e Andarilhos".




"A Descoberta da Terra". Cândido Portinari. 1941