terça-feira, 14 de abril de 2015

A crônica do risoto que me preparou

Fazer um risoto é uma das coisas mais acuradas que existem. É preciso ser perseverante. Desde a escolha dos temperos até o momento de servir o prato, o risoto é um grande exercício de paciência e exige plena atenção. Ele demanda entrega, cuidado, dedicação. 

A vida moderna, urbana principalmente, vem, ao longo dos anos, robotizando as pessoas. Vivemos escravizados pelo relógio. O horário, o prazo de entrega, o vencimento, a meta vão roubando um pedaço de nós, a cada semana, dia após dia. 

Nosso sabor não tem apuração, nosso orgasmo tem limite, nosso olhar tornou-se um golpe de vista, a conversa, o abraço foram roubados de nós para que pudéssemos produzir. Convenceram-nos de que "tempo é dinheiro". Resta saber quem é o dono do tempo que produz o dinheiro para quem.

Hoje eu fiz um risoto de abobrinhas. Pensei no risoto bem antes de prepará-lo; eu me apaixonei por ele. Escolhi as abobrinhas e os temperos. Preparei o caldo de legumes, piquei as cebolas. 

O risoto é um prato que, durante o preparo, você não pode parar de misturar. Enquanto refoga o arroz na cebola e no azeite, o caldo vai fervendo em outra panela.  O perfume do prato muda quando acrescentamos o vinho, e toda a aura da cozinha se modifica. Um sorriso apareceu no meu rosto, ao ver aquele vinho na panela.

Eu me envolvi, provei cada etapa. O risoto foi se transformando diante dos meus olhos. A textura do arroz mudou completamente a cada concha de caldo de legumes que eu incluía na receita. O prato nascia comigo, sabores surgiam vagarosamente, durante o exercício da mistura dos ingredientes. Um mistério, até mesmo para a mulher mística que combinava os elementos naquele movimento de alquimia.

A manteiga e o queijo alteraram de vez meu risoto. Estava pronto para ser provado, durante um almoço tranquilo. À mesa, com meu marido, televisão e telefone desligados, conversávamos e comíamos. Apenas.

Não sei se eu preparei o risoto ou se ele me modificou. Cozinhar me apontou caminhos. Abandonei a pressa. Despi-me de todos os papéis da minha vida para me dedicar àquele momento. Ali estava eu, inteira. 




Por Flavia Abreu