terça-feira, 13 de maio de 2014

LINHAS E TRAÇOS

LINHAS E TRAÇOS


Onde o fundo é superfície
e a forma conteúdo,
fala-se pela imagem,
o idioma mudo do barro
ou do mármore,

e alumbra em libras
quem cerra em sua boca
não sua língua (extinto Lácio
de uma viva neolatina),
silencia a voz digital
no gesto gutural dos lábios.

Ouro, de nenhuma jazida,
do subsolo das retinas,
se mais brilha pelos contornos,
que o minério em barras polidas,

ofusca os dedos de um cego,
que, oculta não bem o seu rosto,
protege a visão das mãos,
na escuridão de cada olho.

 
 
Por Marco Antonio Saraiva, SOL SUSTENIDO, 2011.

TESTAMENTO

TESTAMENTO
Para Laura Goulart Fonseca

Herdei do mundo
Não mais que a palavra mundo,
Paroxítono signo de pó e pedras,
Meu único latifúndio,

Me foi legado uma terra,
Mas em estado de vocábulo,
E nada do que figura ela
Nos atlas e nos dicionários.

Nela não planto trigo
Ou retiro safras de uvas,
Mas, em sua pequena lavra,
De apenas cinco acres
No branco deserto da folha,
Brota meu incomensurável oásis,

Onde andas nua apanhando,
Sob um sol de cera, num céu de guache,
As flores e as frutas que eu desenhava
Nos papéis de minha infância.

Este lugar, com suas colheitas,
É o que te posso oferecer,
Um país sem nome,
Fora de todos os mapas,
Mas, do qual és a escolhida nativa,
Jamais clandestina ou exilada.

Só te peço, se puderes,
que cuides bem desses campos,
cujos sulcos não aram com linhas
à tua tez, e, em ti, impedem
o fluxo do tempo,
pois mesmo que, num dia inevitável,
regresses ao solo natal de todos,
ou, quem sabe, para além das estrelas,

estarás para sempre habitando,
aqui nesta simples folha de papel,
o único bem que possuo.
 
 
Por Marco Antonio Saraiva

ODISSÉIA

ODISSÉIA

Istmo entre a presa e o seu signo,
boi rupestre que se imprime
como litoglifo em seu próprio
pergaminho, ideograma no alume
da pele ruminante, que copia
o cálamo no papiro, e se passa
a limpo daquela folha do Nilo
ao lume do papel, o que foi no ápice
da seta o bisão, e na pua do junco
um áleph : a da palavra gado
na ponta do lápis.





Por Marco Antonio Saraiva