TESTAMENTO
Para Laura Goulart Fonseca
Herdei do mundo
Não mais que a palavra mundo,
Paroxítono signo de pó e pedras,
Meu único latifúndio,
Me foi legado uma terra,
Mas em estado de vocábulo,
E nada do que figura ela
Nos atlas e nos dicionários.
Nela não planto trigo
Ou retiro safras de uvas,
Mas, em sua pequena lavra,
De apenas cinco acres
No branco deserto da folha,
Brota meu incomensurável oásis,
Onde andas nua apanhando,
Sob um sol de cera, num céu de guache,
As flores e as frutas que eu desenhava
Nos papéis de minha infância.
Este lugar, com suas colheitas,
É o que te posso oferecer,
Um país sem nome,
Fora de todos os mapas,
Mas, do qual és a escolhida nativa,
Jamais clandestina ou exilada.
Só te peço, se puderes,
que cuides bem desses campos,
cujos sulcos não aram com linhas
à tua tez, e, em ti, impedem
o fluxo do tempo,
pois mesmo que, num dia inevitável,
regresses ao solo natal de todos,
ou, quem sabe, para além das estrelas,
estarás para sempre habitando,
aqui nesta simples folha de papel,
o único bem que possuo.
Por Marco Antonio Saraiva
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